
O estudo de Matemática e suas encruzilhadas, o estudo
de Matemática tem várias encruzilhadas em que surgem assuntos bem diferentes do
que veio antes. Todo estudante viveu ou viverá algumas dessas passagens: dos
números naturais para os negativos, dos inteiros para as frações, da geometria plana para espacial. Se você vai para a faculdade, pode ainda encarar a
passagem do Ensino Médio para o Cálculo, por exemplo.
Mencione a palavra Matemática numa
conversa e você provavelmente ouvirá um turbilhão de declarações desanimadas.
Matemática? Não é para mim! – diz o
septuagenário que corre maratonas.
- Matemática? Desisti de aprender há
tempos. – fala a senhora que dá palestras motivacionais.
- Poxa, isso daí não vale à pena. –
diz o bailarino que treina oito horas por dia há15 anos.
Cada encruzilhada põe o aluno ou pesquisador
a prova. Ele se vê obrigado a encarar novos conceitos, menos familiares e mais
profundos que os anteriores. Ele precisa dedicar tempo e energia para que novos
hábitos se criem e o estranho se torne familiar. Quando surgem as dificuldades
– e elas sempre surgem –, o medo e a vontade de recuar podem ser quase
irresistíveis. Isso é verdade para todas as áreas do conhecimento, mas se
acentua na Matemática, que é mais abstrata. Quanto mais avançado um assunto,
mais ele exige um raciocínio que foge do senso comum.
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Matemática, fatalismo e jogosDois números
O fatalismo matemático é reflexo de duas
coisas: certeza que há trabalho demorado pela frente e insegurança sobre o
sucesso deste trabalho. E a natureza abstrata da Matemática só colabora neste
quadro.
A
Matemática como uma caixa de jogos
Apesar de tudo, os profissionais de
Matemática às vezes conseguem vencer nosso fatalismo. Há elementos da nossa
experiência que podem ser úteis a outras pessoas. Para explicar isso, convém
fazer uma analogia.
Ontem à noite, eu e meus filhos
brincamos com um jogo de tabuleiro. Era um jogo novo, por isso o jogamos
colados ao manual, ajudando uns aos outros e sem compreender bem as
possibilidades e as limitações das regras. Combinamos jogar de novo hoje à
noite, mas acho que ainda não entendemos completamente a dinâmica do jogo. Com
mais alguns dias, no entanto, tenho certeza de que tudo fluirá de forma mais
natural.
Minha tese é que todo mundo que estuda Matemática
deve encarar o estudo como um jogo. É possível que ele seja mais difícil que
damas ou Pokémon Go, mas não é esse o meu ponto. O importante que a atitude
do jogador sempre esteja presente.
O que isso significa? Em primeiro lugar, lembrar
que ninguém nasce sabendo jogar: é normal ter dificuldade e é natural
pedir ajuda para aprender a jogar. Em segundo lugar, quer dizer que, antes
de pensar em jogar bem, é preciso jogar simples e se acostumar com as regras.
Em terceiro lugar, é fundamental ter em mente que, com algum esforço, aos
poucos o jogo vai ficando natural: há um prêmio esperando quem “fuça o
jogo”. Em quarto, temos que nos lembrar que sempre teremos adversários que
nos darão trabalho!
É assim que os profissionais encaram o desafio de
aprender Matemática. A questão é: como estender esse pensamento ao maior número
possível de estudantes?
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O jogo não deixa você não ficar parado
Logo de cara, aparece um obstáculo para
aplicar as ideias acima. Muitos estudantes simplesmente não sentem motivação
para “jogar Matemática”. Alguém poderia dizer: o jogo de damas é divertido, mas
a Matemática não é tão legal assim. De que serve, então, a tal analogia?
Uma resposta tradicional é parafrasear Brás Cubas:
o defeito desta matéria és tu, estudante. Na escola, isto significa deixar
claro que, no fim do ano, cada aluno passará ou não de ano. Azar de quem não
for sensível a essa “motivação”.
Essa resposta bruta tem seu valor, mas acredito que
também é desejável levar os jogos para dentro do ensino de Matemática.
É um fato que pode animar o estudante, mas não é esse o único propósito. O
que acredito é que os jogos matemáticos motivam o estudante e, ao mesmo tempo,
inculcam nele a atitude de jogador.
"Minha experiência com jogos em sala vem de um
contexto meio peculiar. Fui professor de um curso de “Resolução de Problemas”
num programa chamado PROFMAT, mestrado para professores de Ensino Médio com
polos em todo Brasil. Meu objetivo era dar a estes professores mais
conhecimento e confiança para resolver questões matemáticas difíceis. E o que é
uma questão difícil? É aquele tipo de problema que não é aplicação direta do
material-padrão de ensino, e que, por isso, exige calma e paciência". Diz Roberto
Imbuzeiro Oliveira - Pesquisador titular do IMPA
"A maior dificuldade dos meus alunos era uma espécie
de paralisia. Eles olhavam para um problema complicado, sentiam a ansiedade de
não saber o que fazer e ficavam tentados pelo mesmo “fatalismo” de que falei
acima". Explica Roberto
Imbuzeiro Oliveira
A solução foi apostar em problemas matemáticos
com cara de jogo. Junto com os problemas, transmitia certas instruções. Dizia
para eles: não gastem tempo com a angústia. Explorem as possibilidades do
problema como se estivessem conhecendo um jogo novo. Quando as coisas começarem
a fazer sentido, vocês exploram um pouco mais, já procurando entender o que
está acontecendo. Aí, então, com uma ideia bem formada, vocês podem tentar
resolver a questão para “ganhar o jogo”.
O texto com um problema baseado na
Olimpíada Brasileira de Matemática de 2011. O problema no curso que muitos leitores conseguirão achar a solução se dedicarem
alguns minutos a ele. Como pedir ajuda não é vergonha, há uma dica logo depois
do problema. A solução está mais para baixo.
Problema: Nós dois vamos jogar um jogo. Eu
começo escolhendo um número inteiro e positivo e dizendo que eu “tenho” este
número. Por exemplo:
Eu: Eu tenho o número 18.
A partir daí, vamos nos alternar. Em
cada rodada, você escolhe duas parcelas (naturais) cuja soma é o número que
tenho. Depois disso, eu passo a ter o número que é o produto dos que você
escolheu. Por exemplo:
Você: 18 é a soma de 2 e 16.
Eu: Agora tenho o número 32 (que é 2 x 16).
Você: 32 é a soma de 4 com 28.
Eu: Agora tenho o número 104 (que é 4 x 28).
Você: 104 é a soma de 6 com 98.
Eu: Agora tenho o número 588 (que é 6 x 98).
E assim por diante.
Você será declarado vencedor do jogo quando
conseguir que eu tenha o número 1 em alguma rodada do jogo. Descreva uma estratégia
que lhe permita sempre vencer este jogo, não importando qual número natura
positivo eu escolha no início.
Dica: Veja que, no exemplo de partida no enunciado do
problema, o número que eu tenho vai crescendo rapidamente. Para chegar no 1,
será necessário diminuir o número que tenho. De que forma pode-se fazer
isso? Lembre-se de tentar o simples!
Solução: A ideia é você sempre separar uma parcela igual a
1. Isso fará o número que tenho diminuir em uma unidade e você pode repetir
isso até eu ter o 1. Por exemplo:
Eu: Tenho 18
Você: 18 é a soma de 1 e 17.
Eu: Agora tenho o número 17 (que é 1 x 17).
Você: 17 é a soma de 1 com 16.
Eu: Agora tenho o número 16 (que é 1 x 16).
Você: 16 é a soma de 1 com 15.
Eu: Agora tenho o número 15 (que é 1 x 15).
(...)
Eu: Agora tenho o número 2 (que é 1 x 2).
Você: 2 é a soma de 1 e 1.
Eu: Agora tenho o número 1.
Aqui mostramos a estratégia quando eu
escolho o número 18 no início, mas não é difícil ver que a mesma ideia funciona
sempre!.
O fato é que pessoas inteligentes, bem
sucedidas, motivadas e ciosas das próprias reputações, que jamais diriam “não
sirvo para estudar Português”, não veem problema em se fazer de burras quando o
assunto é Matemática. Não só isso: elas fazem questão de falar disso como seu
destino inevitável.
De onde vem esse “fatalismo matemático
ostensivo” tão popular? Neste artigo, quero discutir um pouco do que refleti a
esse respeito. Além disso, quero explicar porque a ideia da Matemática como
jogo me parece útil para superar este problema. Não sou especialista em
educação, mas posso, pelo menos, falar da minha experiência e de alguns acertos
aparentes na minha trajetória.
O fatalismo em todos os andares
Convivo com gente que investiga os
assuntos mais avançados da Matemática. Garanto a você, leitor: até neste “andar
de cima” do edifício matemático ocorrem episódios de fatalismo. Quem faz
pesquisa em teoria da Probabilidade fica tentado a dizer “não sirvo para
estudar Álgebra”; quem estuda Álgebra pode muito bem declarar “não sou bom de
Geometria”, e assim por diante.
A vantagem de o fatalismo ser
universal é que posso falar dele com conhecimento de causa. Meu palpite é que
uma das chaves do fenômeno é um misto de medo e preguiça para lidar com temas
novos.
Sobre o Autor

Valdivino Sousa é Professor, Matemático, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Psicanalista e Escritor. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Autor de mais de 15 livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais. É programador Web e editor do blog Valor x Matemática News, Produtor de Conteúdo e Colunista Mtb 60.448. Semanalmente escreve para o portal D.Dez e TOP 10 News, sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. E-mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Whatsap: 11 – –9.9608-3728 Veja Biografia