Alguém uma vez me fez
essa pergunta – quando a Matemática discorda da Física? Uma das respostas seria
é quando algo não pode ser medido, por exemplo, no amor, amizade e
afetos é impossível medir. Então, sabemos que até na Matemática há o que não se
pode medir.
Mas poderíamos dizer que volume, temperatura e
comprimento se medem. Você me dá uma bola maciça de ouro e eu entro com ela no
meu laboratório secreto. Depois de alguns minutos, saio com duas bolas
aparentemente idênticas à que você me deu.
Você pergunta de onde tirei a segunda
bola. Digo que fiz as duas bolas a partir daquela com que entrei. Tudo que fiz
foi cortar a bola original em alguns pedaços e colá-los de maneira diferente,
sem tirar, botar, ou deformar qualquer coisa.
-- Mas como assim? – Você pergunta. –
Não tem como você fazer duas bolas a partir de uma! Você ia precisar do dobro.
Você toma as bolas e as examina com
todo cuidado. Constata que as duas são maciças e de ouro, com a mesma densidade
que a original. Seu exame não revela qualquer problema, apenas rachaduras
correspondendo aos cortes que eu disse ter feito. Você entra em meu laboratório
e constata que não há qualquer sinal de fraude da minha parte. O que pode ter
acontecido?
A Física declara categoricamente que
esta historinha é impossível. Acontece que, de certa forma, a Matemática
discorda da Física. No mundo matemático, essa “criação de matéria” pode
acontecer, mas há sutilezas por trás dela. Para entendê-las, vamos começar de
outro ponto: o que significa medir para um matemático?
A Teoria da Medida
Na virada do século 19 para o 20,
ficou claro para os matemáticos que o Cálculo de Newton, Leibniz e seus
sucessores precisava ser recauchutado. Era necessário torná-lo mais preciso e
expandir suas capacidades.
Dentro do Cálculo, o conceito de
integral é um dos mais importantes. Acontece que a integral é “a área ou volume
debaixo do gráfico da função”. Por isso, para melhorar a integral, foi
necessário criar uma nova Teoria da Medida e refundamentar conceitos como
comprimento, área e volume. Henri Lebesgue foi o principal matemático por trás
deste avanço.
A Teoria da Medida de Lebesgue é
complicada, mas tem a ver com nossa noção de medida do dia-a-dia. Como no senso
comum, começamos com a constatação de que, para medir, precisamos de um
padrão. Por exemplo, o padrão costumeiro para medir volumes – a unidade do
litro – é o volume de um cubo com lados de dez centímetros. Do mesmo modo, para
definir volumes, Lebesgue parte de um cubo-padrão, considerado a “unidade de
volume”.
Em segundo lugar, medir é sempre
comparar com o padrão. Por exemplo, se eu digo que um balde tem três litros
de volume, é porque o volume do balde corresponde ao de três cubos-padrão. Da
mesma forma, os volumes na teoria de Lebesgue são calculados a partir do
cubo-padrão.
Um terceiro ponto é que a medida de
um objeto não muda quando o mexemos ou deslocamos. Se eu tomo o balde
acima, o levo pro Japão e o viro de cabeça para baixo, ele continua tendo os
mesmos três litros de volume – a não ser, é claro, que ele saia deformado da
minha brincadeira. De forma análoga, a medida de volume segundo Lebesgue não se
altera quando um corpo é deslocado no espaço.
A última propriedade importante é que quando
um objeto é feito de duas ou mais partes, a soma das medidas das partes é a
medida do todo. É mais fácil explicar este princípio com a figura abaixo.
Nela, o cubo maior é feito de partes, que são cubos menores. Nossa regra é que
a soma dos volumes dos cubinhos tem de ser o volume do cubo maior. Em
particular, segue disso que, quando um cubo maior tem o dobro do tamanho de
lado de um menor, o volume do maior é oito vezes o do menor. Você consegue
deduzir isso?
As propriedades acima, na roupagem
técnica correta, descrevem a teoria de Lebesgue para volumes. Ele tomou estes princípios
como “axiomas”, ou seja, como “verdades básicas” a partir da qual todas as
outras “verdades” devem ser deduzidas na forma de teorema. Uma vantagem deste
método é a precisão: o que vale ou não fazer no Cálculo passa a ser uma questão
de Lógica e deduções. A outra vantagem é que a teoria de Lebesgue leva a uma
versão melhor e mais flexível do Cálculo de integrais. Apesar disso, a
teoria de Lebesgue tem seus próprios mistérios.
O “paradoxo” de Banach-Tarski
Quando aceitamos axiomas, temos de ir
com eles até o fim e aceitar suas consequências mais estranhas.
Uma destas consequências é a seguinte:
a teoria de Lebesgue tem de admitir a existência conjuntos imensuráveis.
Ou seja, há conjuntos dentro do espaço de três dimensões que não se adequam à
noção de volume. Não estou dizendo que estes conjuntos têm volume 0, ou
infinito, ou algum número estranho. O que acontece é que simplesmente não
faz sentido aplicar a teoria de Lebesgue a estes conjuntos.
Na verdade, estes conjuntos estão
escondidos na bola de ouro que virou duas. Aquela historinha corresponde a um
enigmático teorema dos matemáticos Stefan Banach e Alfred Tarski.
Teorema Banach/Tarski
É possível dividir uma bola maciça em
três dimensões em um número finito de partes e deslocar cada uma destas partes
sem deformá-las, de modo que a figura final obtida consista exatamente de duas
bolas maciças disjuntas e idênticas à original.
Por que isto tem a ver com a teoria de
Lebesgue? O que veremos a seguir é que pelo menos uma das partes produzidas por
Banach e Tarski tem de ser imensurável. Afinal, se isso não fosse verdade,
poderíamos aplicar a teoria de Lebesgue para deduzir que:
Volume da bola original = soma dos
volumes das partes.
Ao mesmo tempo, as duas bolas posteriores
são feitas destas mesmas partes, que foram deslocadas mas não deformadas. Deste
modo, deduziríamos da teoria que:
Volume das duas bolas = somas do
volumes das partes.
Portanto, chegaríamos à igualdade:
Volume da bola = Volume das duas
bolas,
mas isto é absurdo. Afinal, as duas
bolas são idênticas à primeira e disjuntas, logo o volume somado das duas é o
dobro do volume de uma só. Ou seja, mostramos por uma redução ao absurdo que,
se todas as partes da bola estivessem sujeitas a teoria da Medida, isso levaria
a uma consequência falsa. Isso invalida nossa premissa e mostra que alguma
parte da bola tem de ser imensurável, como afirmei acima.
O resultado de Banach e Tarski é às
vezes chamado de “paradoxo de Banach e Tarski”, mas não há nada de errado com ele.
O ponto é que a divisão em partes da bola é puramente teórica e jamais poderia
ocorrer no mundo físico. De fato, qualquer conjunto gerado por um processo
físico é mensurável.
Se o “paradoxo” não se manifesta no
mudo real, por que ele importa? O ponto é que, além de precisão, a Matemática
precisa de profundidade. Reiterando o que disse acima, uma vez que escolhemos
os axiomas para nossa teoria, é preciso aceitá-los e explorá-los até as últimas
consequências. Só assim sabemos o poder e os limites da nossa teoria. Assim
como há físicos dispostos a explorar as minúcias da Natureza, devem existir
matemáticos querendo explorar as profundezas dos conceitos. Até porque
precisamos dos conceitos para entender a realidade.
No fim das contas, até na Matemática
há o que não se pode medir. Alguém poderia dizer que volume, temperatura e
comprimento se medem, mas amor, amizade e afetos, não. Ocorre que o imensurável
não é privilégio do universo caloroso dos sentimentos: ele também dá suas caras
no mundo austero das formas e quantidades.
Valdivino Sousa

Contador, Matemático, Pedagogo, Psicanalista, Bacharel em Direito, Escritor e Mestrado em Ciências da Educação Matemática. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Docente nos cursos de Matemática, Ciências Contábeis, Administração e Engenharia. Autor de mais de 10 (dez) livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais especializados. Blogueiro Mtb 60.448, Consultor e Estrategista de Mídias Digitais. Semanalmente escreve para o portal D.Dez, Jornal Sudoeste e Folha Online. Sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. Tem experiência na área de Matemática, com ênfase em Equações Diferenciais Parciais, Matemática Computacional e Engenharia Didática, atuando principalmente nos seguintes temas: métodos numéricos, equações diferenciais, modelagem, simulações e didática no ensino de matemática. Acesse o site: www.matematicosousa.com.br
E-Mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Whatsap: 11 – 9.9608-3728 SAIBA MAIS
Sobre o Autor

Valdivino Sousa é Professor, Matemático, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Psicanalista e Escritor. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Autor de mais de 15 livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais. É programador Web e editor do blog Valor x Matemática News, Produtor de Conteúdo e Colunista Mtb 60.448. Semanalmente escreve para o portal D.Dez e TOP 10 News, sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. E-mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Whatsap: 11 – –9.9608-3728 Veja Biografia