Modelagem matemática a serviço da equidade em saúde.
“Equilibrar variáveis que representam
restrições ao investimento em Saúde é o exercício de racionalidade que buscamos
desenvolver a partir de modelos matemáticos orientados pela noção de justiça e
equidade”. Com esta proposta, o sanitarista Francisco Carlos Cardoso Campos,
pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colaborador da
rede Brasil Saúde Amanhã, apresentou o estudo “Prioridades de Investimentos em
Saúde no Brasil: subsídios para elaboração de uma proposta metodológica”, dia
18 de abril, no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
em Saúde (Icict/Fiocruz), durante a reunião de difusão “Critérios para
Investimentos em Saúde”. Nesta entrevista Campos explica como modelos
matemáticos podem auxiliar a definição de prioridades em saúde em médio e longo
prazo, de forma a garantir a universalidade, a equidade e a integralidade do
Sistema Único de Saúde (SUS). “Escolhas que no passado eram pautadas
basicamente por dados epidemiológicos hoje podem ser embasadas por critérios de
justiça. Somente assim é possível fundamentar uma série de iniciativas que, de
outra forma, não teriam relevância quantitativa para alcançar o status de
prioridade”, afirma.
Por que o sistema de saúde precisa de
novos critérios para a definição de prioridades de investimento?
Os métodos clássicos para definição de
investimentos em Saúde são pautados por questões objetivas e priorizam
determinados agravos ou condições específicas de saúde. Eles deixam de ser
funcionais porque o desenho de redes integradas de serviços rompe com essa
lógica. A ênfase não está mais na doença ou no fator de risco, mas na garantia
do acesso aos serviços de saúde à toda a população. Nesse sentido, os critérios
de investimento passam a priorizar mais a localização dos recursos, por meio de
análises de acessibilidade geográfica, econômica, cultural. Tal complexidade exige
critérios que vão além dos dados epidemiológicos e da disponibilidade de
recursos. Portanto, escolhas que no passado eram pautadas basicamente por dados
epidemiológicos hoje podem ser embasadas por critérios de justiça. Somente
assim é possível fundamentar uma série de iniciativas que, de outra forma, não
teriam relevância quantitativa para alcançar o status de prioridade.
Estamos vivendo uma transição
demográfica extremamente rápida, com um crescimento vertiginoso da população
idosa. Esse fenômeno provoca, por exemplo, uma demanda enorme por cuidadores.
Cálculos realizados por nosso grupo de pesquisa apontam a necessidade de 500
mil a 800 mil novos profissionais capacitados para cuidar de pessoas em idade
avançada. No entanto, é importante levarmos em consideração que a maioria
desses idosos é pobre. Um idoso de classe média, com saúde frágil, custa para
sua família de R$ 10 mil a R$ 15 mil por mês. Diante desses valores, como um
idoso desprovido de condições econômicas vai manter um padrão digno de cuidado?
Aqui acionamos a noção de justiça. De fato, o idoso frágil precisa de um aporte
de recursos muito maior que o adulto em fase produtiva. Entretanto, com os
métodos clássicos de priorização de investimentos, essa decisão nunca seria
tomada, porque o tempo de vida produtiva do idoso já se esgotou ou está em fase
final. Já a partir de um critério que não é econômico, mas baseado em justiça,
é fundamental garantir ao idoso o acesso a serviços públicos de saúde, com
qualidade e integralidade. E o Estado deve ser parte fundamental desta solução.
Como modelos matemáticos podem
auxiliar a análise e o planejamento em Saúde?
Para auxiliar dirigentes e gestores do
sistema de saúde, é fundamental desenvolver metodologias e ferramentas que
viabilizem análises complexas, como a realidade exige. Equilibrar variáveis que
representam restrições ao investimento em Saúde é o exercício de racionalidade
que buscamos desenvolver a partir de modelos matemáticos orientados pela noção
de justiça e equidade. Não são cálculos triviais. São necessários muitos
estudos, ricos debates e análises aprofundadas para definir os padrões
representados por algoritmos. Essa modelagem é complexa e envolve muitas
especificidades. Por isso, os cálculos não podem ser transferidos
automaticamente para outros contextos, sem serem repensados ou pelo menos
adequados.
Hoje, temos à disposição ferramentas
computacionais capazes de analisar grandes volumes de dados e de pautar
decisões mais embasadas. Por isso, os investimentos não podem continuar sendo
orientados basicamente pela intuição. Nosso objetivo é incorporar métodos de
otimização espacial e de simulação, que são típicos da chamada Pesquisa
Operacional, ao planejamento em saúde. As ferramentas permitem, a partir da
análise de uma massa de dados, estabelecer proposições quanto à alocação e à
localização de recursos, de forma mais racional que hoje.
Como a metodologia proposta pode
auxiliar gestores de saúde a definir prioridades de investimentos em seus
municípios ou regiões?
A metodologia pode ser aplicada em
todos os níveis de atenção à saúde: nacional, estadual, municipal e regional.
Em Minas Gerais, ela já está sendo utilizada para apoiar gestores na tarefa de
racionalizar a distribuição de recursos. Para isso, analisando os dados
disponíveis, apresentamos proposições de locais prioritários para o
investimento em saúde. Por exemplo, onde posicionar os postos do Serviço de
Atendimento Móvel de Urgência (Samu), a fim de reduzir o tempo médio de
resposta do atendimento, variável que influi diretamente no desfecho de vida ou
morte do paciente.
Os desafios não são simples: ao mesmo
tempo em que o Samu deve estar disponível em todas as localidades do país, não
é financeiramente viável manter ambulâncias em áreas pouquíssimo povoadas, pois
locais com maior densidade populacional ficariam descobertos. Também em Minas
Gerais, estamos empenhados em identificar quais hospitais de pequeno porte são
fundamentais para garantir o acesso da população ao sistema de saúde,
considerando suas posições geográficas. Diante do histórico de fechamento de
muitas unidades, o objetivo é apontar quais devem ser selecionadas para receber
recursos.
O Novo Regime Fiscal, materializado
pela Emenda Constitucional 55 (EC 55), pode representar uma ameaça à
implementação do modelo proposto em seu estudo?
Existe uma contradição entre o desenho
de uma rede que pretende ter suficiência de oferta e as limitações de recursos
geradas pela crise fiscal. O problema é o receituário escolhido para sair da
crise, pautado pela liberalização e pelo livre mercado, o que é historicamente
catastrófico, do ponto de vista da Saúde Pública. Liberalizar ou ampliar o
papel do Estado são os dois grandes paradigmas à solução de uma recessão
econômica. Este é o dilema da atualidade. No campo da Saúde, já vivemos os
impactos das enormes restrições orçamentárias e financeiras, que poderiam ser
muito mais moderadas se houvesse uma visão diferente do papel do Estado.
Não podemos nos esquecer que o setor
Saúde é, também, um motor da economia nacional. Ele emprega muito. No entanto,
é visto equivocadamente apenas como gasto. Os recursos que a sociedade mobiliza
para o macro-setor empregam e sustentam uma parcela importante da mão-de-obra
brasileira: mais de 10% da população economicamente ativa. Ou seja, a Saúde
deveria ser considerada um fator de empregabilidade e de propulsão do
desenvolvimento, pois é, sim, capaz de aquecer a economia. Portanto, uma das
saídas para sair da crise poderia ser, justamente, gastar mais com Saúde.
Por que é estratégico desenvolver
estudos prospectivos sobre a população e os serviços de saúde?
A atividade de prospecção estratégica
é fundamental para orientar a prática de dirigentes e gestores da Saúde. Nesse
sentido, os estudos que projetam cenários de futuro são essenciais para o
planejamento de longo prazo. Se quisermos projetar, no horizonte dos próximos
20 anos, as demandas e os déficits por especialidades médicas, um assunto muito
em voga atualmente, chegaremos à conclusão de que, hoje, a decisão pode ser a
de aumentar o número de escolas médicas ou o número de vagas nessas
instituições. A saída pode estar, também, na oferta de residências, de forma a
influenciar o número de especialistas no futuro.
Quando montamos um modelo prospectivo,
tentamos identificar no presente quais serão as variáveis mais importantes no
futuro. No entanto, mesmo com ferramentas para modelagem dinâmica de sistemas
complexos, é impossível anular algumas incertezas. Essa é uma dificuldade
humana e da Ciência também. Por isso é tão importante ampliar esse tipo de abordagem,
como vem fazendo o projeto Brasil Saúde Amanhã, que estabelece uma rede de
grupos de pesquisa, potencializando a capacidade de resposta aos desafios
atuais e futuros do sistema de saúde. É fundamental que esta rede se amplie e
proporcione um intercâmbio ainda maior de saberes.
Sobre o Autor
Valdivino Sousa é Professor, Matemático, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Psicanalista e Escritor. Criador do método X Y Z que facilita na aprendizagem de equação e expressão algébrica com objetos ilustrativos. Autor de mais de 15 livros e têm vários artigos publicados em revistas e jornais. Tem experiência na área de Matemática, com ênfase em Equações Diferenciais Parciais, Matemática Computacional e Engenharia Didática, atuando principalmente nos seguintes temas: métodos numéricos, equações diferenciais, modelagem, simulações e didática no ensino de Matemática. Além da Matemática atua há mais de 20 anos em Contabilidade e desde 2005 é Contador responsável da Alves Contabilidade. Outras atividades: Produtor de Conteúdo, Cientista de dados e Colunista Mtb 60.448. Semanalmente escreve para o portal D.Dez e Folha Online. Sobre: Comportamento, Educação Matemática e Desenvolvimento da Aprendizagem. E-mail: valdivinosousa.mat@gmail.com Whatsap: 11 – –9.9608-3728 Veja Biografia
COMPARTILHE